A sombra de um ditador
A atuação de Getúlio Vargas no cenário político do Brasil é condicionada por fatores tão complexos e contraditórios, em todos os sentidos, que é difícil descrevê-la através de síntese. Ditador num período de profundas crises internacionais e nacionais, Vargas projetava descaradamente as imagens mais diversas e que, muitas vezes, acabavam se desmentindo pela própria contradição de seus atos. Era, sem dúvida, o político oportunista, do qual se tornou perito, capaz de todas as combinações e manobras, à fim de manter-se no poder.
A ambição de poder de Vargas, foi sem dúvida, num primeiro momento, um dado específico, mas havia outros, mais complexos e amplos: o governo de Getúlio iniciou-se sob a depressão mundial, com a crise de 29, que resultou numa convergência de fatores tanto externos quanto internos que acabaram por reforçar seu poder, conduzindo-o, em 1937, à implantação de um regime que abusou mais do que qualquer outro.
Vargas, simpatizante dos regimes fascistas, lembrando que todo fascista que se preze adota ideologias voltadas para o totalitarismo, acabou caindo em contradição (ou seria oportunismo?) ao fazer acordos econômicos com democracias liberais. No entanto, o ditador de posição implacável, que impôs uma autoritária Constituição ao Brasil, cujo modelo inspirava no regime fascista, declarou guerra à Alemanha de Hitler e à Itália de Mussolini, combatendo na Europa o espelho que refletia a sua própria imagem.
Getúlio Vargas, inimigo histórico do comunismo, reprimindo as tentativas revolucionárias e encarcerando líderes. Inimigo histórico de Luiz Carlos Prestes. Um desumano histórico perante a atitude tomada em relação à Olga Benário, pois suas convicções políticas embasadas num regime ditatorial fascista e seu oportunismo foram além de seu lado humano. Entretanto, na fase de liquidação do Estado Novo e em condições extremamente difíceis, aliou-se a Luiz Carlos Prestes, tentando aproveitar-se também da palavra de ordem comunista, achou oportuno a frase: “Constituinte com Getúlio”.
Mais uma vez surge o oportunismo de um ditador; porém, agora aliado à um comunista, pelo qual concedeu anistia política – comunista este que tendo consciência do controle varguista à classe trabalhadora, também se alia ao mesmo, aproveitando o momento favorável às tentativas de mudanças internas e se elege Senador da República, superando nas urnas o próprio Vargas – fato inédito na história política do Brasil. No entanto, Prestes, ainda que Senador, fica com as mãos atadas, percebendo mais tarde que a classe detentora do poder na época, era a classe burguesa – terreno preparado por Vargas, pois ainda que adotando ideologias fascistas de governo, Vargas havia governado segundo os interesses dessa classe (classe burguesa), redimensionando a questão do trabalho e do capitalismo numa ordem capitalista internacional.
A vida partidária renascia, onde a reabertura política caminhou para a democracia. Mas que democracia foi essa controlada por Getúlio? Vargas continuava manipulando à fim de permanecer no poder, criando duas forças partidárias com faces opostas, mas direcionadas ambas à si mesmo: de um lado, o Partido Social Democrata (PSD), era composto de elementos da alta administração estatal e de grandes proprietários e financistas que se beneficiaram com o Estado Novo; de outro o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com o qual pretendia obter apoio das classes trabalhadoras, que se beneficiaram com as leis trabalhistas. O próprio PTB, criado pelo regime do Estado Novo e idealizado por Getúlio, tinha a finalidade de servir de anteparo entre os trabalhadores e o Partido Comunista, agora na legalidade.
Getúlio era especialista e fazia um jogo político contraditório, tão contraditório que ao mesmo tempo que apoiava formalmente o general Eurico Gaspar Dutra; às escondidas, estimulava um movimento popular que pedia sua permanência no poder: o queremismo – “Queremos Getúlio”.
Identificado com a criação das leis trabalhistas no Brasil e concedendo “vantagens” aos trabalhadores Getúlio passa a ser denominado “pai dos pobres”. Pura verdade histórica, pois realmente Vargas foi o “pai dos pobres”; porém, a mãe dos ricos. No entanto, os fatos demonstram que Getúlio mais absorvia as pressões do que se submetia a elas, revelando não só grande capacidade de sobrevivência política, mas também enorme cuidado em preservar a sua identidade, procurando se equilibrar diante às constantes oscilações das facções da época. Até que ponto Vargas foi sincero nas suas diversas posições, especialmente na defesa dos trabalhadores? O trabalhismo getulista era certamente de inspiração fascista e totalitária: um trabalhismo estatal, estruturado do topo para a base, e que fatalmente levaria, como de fato levou, ao chamado “controle getulista da classe trabalhadora”, onde a utilização dos sindicatos não era em beneficio dos sindicalizados, mas estes serviam como massa de manobra política dos detentores do poder.
Getúlio Vargas não passou de mediador entre trabalhadores e padrões visando seu próprio interesse: manter-se no poder. Ainda que de certa forma iludidos e manipulados, os trabalhadores viam em Vargas um protetor e os empresários uma garantia de ordem pública e estabilidade social e econômica.
O Estado Novo de Vargas foi um desastre nacional; ao mesmo tempo, era evidenciado pelo atraso de um amadurecimento político através do estrangulamento da democracia; também acabou por atingir negativamente não apenas os homens em condições de atuar naquela época, como comprometeu a formação das gerações futuras.
Os abusos de poder de Vargas, pelo qual se erguera, repercutiu em sua própria queda, pois a ambição de poder do ditador encontrava-se enraizada nas tensões internas e na conjuntura internacional. A disciplina do Estado Novo imposta de cima para baixo, através da força, da paralização política, da repressão, da censura, da propaganda maciça resultou-lhe numa ditadura fincada em areias movediças. Se o Império Romano, que era inabalável, caiu, porque haveria de durar o Estado Novo de Vargas para todo o sempre?
Vargas volta ao poder. Seria o caso de pensarmos num novo homem? Ou numa velha estratégia política, porém agora condicionada pelas circunstâncias do período, retomando ligações mais íntimas com as massas urbanas, tendo a consciência de que essa “nova” personagem era imprescindível para um novo acomodamento de poder? Seria o caso de pensarmos que Vargas procurou apagar a imagem de ditador e construir em seu lugar, a figura de um estadista democrata? Seria o caso de pensarmos que realmente estava sendo sincero e que seu objetivo era a construção de uma “verdadeira democracia social e econômica”? Ou era a sua fórmula para impedir a revolução social?
Quem ainda é ingênuo para cair nas graças das atitudes populistas e do sorriso paternal de Vargas?
O político oportunista prefere matar-se a ser deposto em circunstâncias tão humilhantes.
É impossível avaliar Vargas por um critério único. Sendo que a queda do Estado Novo marcou o fim de um período, mas não o término da Era Vargas, onde o populismo varguista retorna triunfalmente em 1950, porém não de forma ditatorial, e mesmo que legitimado pelo voto popular, não deixa de ser manipulado. Seja como for, com a chegada de Getúlio ao poder, começa o Brasil uma nova fase histórica. Getúlio foi assim, um divisor de águas, sendo perfeitamente legítimo falar-se da história nacional antes e depois de Vargas. Apoiando-se sucessivamente nas mais variadas facções, no cenário político e social brasileiro; dividindo para melhor reinar; preferindo atrair os adversários para sua órbita, Vargas permaneceu sempre fiel a si mesmo, sobretudo ao seu instinto de sobrevivência política. “Getúlio deixou um rastro de polêmica e controvérsia sobre sua pessoa. Alguns o amavam freneticamente, outros o odiavam com estupendo rancor. Uns apontavam em Vargas o ditador implacável, o demagogo sem escrúpulos. Outros viam nele o político com sensibilidade social em relação aos trabalhadores, o governante nacionalista.” Impossível mesmo era ficar indiferente diante dessa personagem tão desconcertante.
A sombra de um ditador
Mancha no tempo
Apesar de tudo nunca será Vargas, como Lopes, Francia ou Rosas,
Não tem vértebras, apenas forma humana.
Será o Getúlio, o Gegê, o Rebeco, como o Maneco ou o Quincas.
A História só recolhe os que deram ao nome
a força do ser, positiva ou negativa.
Não foi. Faltou-lhe convicção para ser, coragem para marcar,
caráter para impor,
O gesto que identifica o herói, no altruísmo ou no crime.
Nem soube matar. Houve apenas crimes, nunca heroísmo.
A mulher grávida foi entregue à Gestapo
O idealista pôs sangue pela boca, nove anos sem sol,
O professor de Leningrado pensa que é flor no pátio do presídio,
A mocidade caiu nas praças à traição, os operários levaram de volta
A tuberculose para as crianças;
Outras crianças receberam bandeiras, outros operários receberam cartazes;
O estádio se encheu de coros e acenos comandados,
A professora de História do Brasil foi demitida.
1 bilhão de Cruzeiros para os coros e as bandeiras
E os retratos nas paredes, e a invasão dos sindicatos,
E os cânticos rastejantes. O escritor estrangeiro de 2ª classe
- fabricante de gazuas para a História –
Apresentou a biografia e o vale de 500 mil cruzeiros.
Apesar da prestidigitação, ficará do lado de fora.
Fabricou-se um espelho encantado: “quem é o maior homem do mundo?”
“e o maior estadista? e o nosso chefe? e o guia da nacionalidade?”
“e o salvador nacional? e o financista? e o país dos pobres?”
“e a mãe dos ricos? e o irmão dos médicos? e o cunhado de Hitler?”
“e o filho de Mussolini? e o amigo de Roosevelt? e o irmão de Churchil?”
“e o inigualável, o inefável, o simpático, o formidável?”
“e o rei dos reis? e o rei dos cabritos? e o porco que ri? e o pai de todos?”
“e o espelho respondendo: é ele, é ele, é ele” “Heil”, “Heil”, “Heil!”
Não havia tuberculose, nem impaludismo, nem raquitismo, nem sífilis
Nem crianças mortas, nem fome, nem ditadura,
Exportávamos trigo, fabricávamos aviões, cantávamos Democracia.
Não havia pobreza: produzíamos milionários,
Milionários em massa, processo do Estado Novo.
Brasil! – O locutor ventríloco manda tocar o Hino Nacional,
Depois se envergonha: venha o Guarany de Carlos Gomes.
Nunca será substantivo próprio, ficará adjetivo.
E será o crime, o juiz absolverá: houve ofensa, foi chamado de “getúlio”.
A História dirá um dia: no tempo de Eduardo Gomes
Houve um tiranete. Foi esmagado como um verme
A pisada dos homens livres apagou seu rastro.
J. G. de Araújo Jorge
Lilian R. de Andrade Pós graduada em História. Atualmente leciona no Colégio Estadual Leonardo Francisco Nogueira - EMNT e Escola Estadual Castro Alves - EFPostado no fórum da comunidade Orkut: Luiz Calos Prestes – Lilian em 03/04/09 -http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=120496&tid=5320194745844507404&kw=a+sobra+de+um+ditador
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